arquivo > dezembro de 2015

Recortes de leituras em papel timbrado

mapa mundo, JR (pormenor)

A areia da marca que seu pé deixou, como no testemunho do poeta angolano Viriato da Cruz, cabe numa folha de papel A4. Ela entrou descalça, qual Cinderela à procura da havaiana perdida, e pisou um dos A4 do manuscrito do meu mais recente romance, exemplar único, em folhas soltas, que eu espalhara pelo chão para melhor as ordenar. A sétima página ficou bem marcada pela areia húmida que ela trazia colada na planta do pé e deixou de ser um manuscrito de um candidato a escritor sem editor para se transformar numa obra de expressão plástica. A trabalhar, mas já uma obra prima de expressão plástica atravessada por palavras manuscritas na tinta permanente que gosto de usar, palavras que entretanto, com a humidade, esborrataram e deixaram de ser legíveis. Palavras que, na verdade, deixaram de ser necessárias.

Naufrágio num gargalo de uma garrafa de gin

Um veleiro numa garrafa

O registo deste naufrágio, em aguarela pintada num papel livre de ácidos, tem marca de água. Se olharmos para as velas em contra luz, notar-se-á a palavra WORD, como se tivesse impressa no verso , ou seja, DROW na inversão das letras, no caso só visível no D e no R. No verso da orelha da primeira página do INYT apanha-se a rubrica IN YOUR WORDS. E o veleiro que encalhou no gargalo da garrafa foi decalcado de uma foto da orelha da primeira página no International New York Times. Recortes de jornais

O mês dos 62 anos do Playboy

fragmento de um rótulo

Que peça um "Gin and Tonic" em Londres quem aí vive como é o caso de Rui Lisboa, entende-se.  Mas voar depois para um Manhattan no Manhattan Club de New York City, atravessar os Estados Unidos, de costa a costa, parando em Nova Orleães, para provar  Sazerac local, antes de chegar a S. Diego para entrar no México, pela fronteira que separa Santo Isidro de Tijuana, à procura da verdadeira Margarita que dizem ter nascido no Rancho La Gloria que fica entre Tijuana e Rosarito, é já uma epopeia. E depois Tóquio, beber Suntory  no bar do Park Hyatt Tokyo, o do Lost in Translation de Sofia Coppola, antes de um Singapore Sling, obviamente no Raffles Hotel de Singapura, e antes do sétimo cocktail - o French 75 - no Harry´s New York Bar de Paris. Uma boa digressão.

Vichyssoise qui mal y pense

Sitges92, cartaz (pormenor)

Apetece-me corromper a expressão "honni soit qui mal y pense" e reinventá-la num "vichyssoise qui mal y pense". Tem quase a mesma sonoridade mas remete-nos para umas maldades do professor Marcello, quando Marcello se escrevia com dois éles e o P.P. estava longe de ser um dos seus best friend forever (BFF), como agora é. Este exercício tem a força e simbolismo que podemos (Podemos, cruzes canhoto. dirão alguns) atribuir a uma libidinosa transformação da liga azul que serve de base à Ordem da Jarreteira numa braçadeira de capitão do Chelsea Football Club para usar nos bícepes. Vichyssoise qui mal y pense. Esta nota está em execução, como algumas montras, e tem embargo até 24 de Janeiro próximo.

Meia dúzia de haicais e um desenho

O dedo gordo do pé da Cinderela

Quando não controlamos os meios de produção até sujar um simples A4 pode ser muito difícil. Foi por isso que desisti de reunir meia dúzia de haicais contrafeitos e um desenho numa edição de tiragem reduzida cujo título - Incomunicabilidade - sugeriria uma homenagem a um poeta do neorrealismo português e cuja paginação estava inspirada num livro de artista de um autor de língua francesa,  o autor de "Le nouveau remorqueur". Cheguei a sonhar com uma edição impressa em risografia, como sucedâneo de impressões a chumbo, com caracteres móveis e imagens em  zincogravuras , mas sem o rigor e a dificuldade da serigrafia. Mas quando não controlamos os meios de produção até sujar um simples A4 pode ser muito difícil.

Pequenos Grandes Artistas a olhar Vermeer

Matriz de serigrafia. Pequenos Grandes Artistas

Olhares sobre Vermeer de Pequenos Grandes Artistas, gente entre os 3 e os 13 anos que recebe orientação artística de Fernanda Santos no colégio Oceanus, na escola Magarão, em Avintes, e no Attelier d'ARTE da própria Fernanda Santos, estão em exposição até ao próximo dia 12 na Fundação José Rodrigues. Esta mostra, de poucos dias, pode ser vista no espaço da Biblioteca da Fundação onde os trabalhos de pintura "Do Silêncio ao Grito" , de Isabel Lhano, continuam em exposição até 2 de Janeiro, estes no José Rosinhas Art Gallery Wall. Pela arte é que vamos, ou seja, que as mais jovens gerações possam aceder à fruição da Arte muito mais do que as gerações dos pais e dos avós puderam fazer.

Olhar as Flores da Ponta Negra do Corvo

Moinho de Vento, Ponta Negra, Ilha do Corvo, Açores / JR 1999

Num rolo de fotografias da era analógica que ficou esquecido, por revelar, entre 1999, o ano em que foi utilizado, e o presente ano de 2015, uma das imagens que resistiu é a de um dos moinhos de vento da ilha açoriana do Corvo, situado no lugar da “Ponta Negra”, junto a um dos farolins existentes na ilha. Desse lugar pode ver-se, em dias límpidos, a vizinha Ilha das Flores que forma, com a do Corvo, o Grupo Ocidental do Arquipélago dos Açores. Talvez pela distância a que se encontra de Lisboa e talvez também pela sua pequena dimensão - tão pequena que é possível olhar o mar a toda a volta em vários pontos da ilha - a sensação de se pertencer a um povo que fala a mesma língua e habita um território comum é inesquecível quando olhamos as Flores da Ponta Negra do Corvo.

Sonho-me num retrato todo nu

Nu e no meio de jornais / foto JR 2015

Numa noite do ano passado, sonhei estar a receber um telefonema de uma suposta colaboradora de Annie Leibovitz a dizer-me que a artista aceitara fotografar-me. Não sei quem encomendou o trabalho a Annie Leibovitz, a grande retratista de revistas como a Rolling Stones ou a Vanity Fair, autora de retratos de políticos e artistas famosos que se tornaram ainda mais famosos depois de terem sido fotografados por ela, mas sei que essa possibilidade me agradou e agrada, mesmo considerando que dona Annie gosta de fotografar pessoas nuas. Na verdade até gostaria de ser fotografado todo nu, mas com o meu corpo forrado com páginas de jornais, ao estilo da fotografia que ela produziu quando retratou o pintor Keith Haring.