arquivo > agosto de 2017

Esgotei todas as minhas notas de rodapé

Um livre trânsito para qualquer viagem, numa biblioteca. JR

Acabei de ler a crónica que Eugénio Lisboa assina na mais recente edição do Jornal de Letras - "Bibliotecas" - e dei por mim a lembrar-me do senhor Silva, um secretário administrativo (bedel) da Universidade de Coimbra que trabalhava para a Biblioteca da Universidade, enfrentando a desconfiança dos estudantes mais empenhados na vida associatica coimbrã antes do 25 de Abril ao pedir-lhes comunicados e outros documentos em distribuição alegal pela Academia, documentos que recolhia para o espólio da Biblioteca. Esta vontade de ter tudo o que se edita não é exclusiva da norte-americana Biblioteca do Congresso, com um espólio de dezenas de milhões de livros. Quase sem saber ler nem escrever, eu já reuni mais de três mil livros, quase todos meus companheiros para a vida, que me acompanham para todo o lado dominando espaços privados onde gosto de estar até para aguarelar arremedos de bibliotecas, sem ofensa para as Bibliotecas de Maria Helena Vieira da Silva, uma das quais ilustra a crónica de Eugénio Lisboa.

Estes dois não são galos de contrafação

Um galo comprado numa feira persegue um galo recriado em 3D numa tela (foto JR)

O galo da direita tem um toque de esquerda. Em contrapartida, o da esquerda, mais perfeitinho, é dos que são feitos em série para serem vendidos em qualquer barraca de feira ou numa loja portuguesa de chineses. Com ou sem íman para colar no frigorífico. Um e outro, ambos portuguesíssimos, estão de partida para Trieste, em Itália, mas só o da direita, por sinal engessado a uma tela, leva assinatura junto à pata esquerda, gravada no barro, num estilo tosco como convém a uma quase contrafação de artesanato. Nenhum galo de Barcelos é contrafeito. Nenhum sob pena de serem todos, incluindo aquele galo gigante que foi encomendado à artista Joana de Vasconcelos para celebrar os 450 anos da criação da cidade do Rio de Janeiro, missão substituída por uma viagem a Pequim e a Xangai, celebrando o ano chinês do Galo, que começou no passado dia 28 de Janeiro e vai terminar a 15 de Fevereiro de 2018. 

Herança do Beaubourg chega ao Via Catarina

Beaubourg na portuense Via Catarina / foto JR Agosto 2017

Tubagens ao estilo das que ressaltam como imagem de marca exterior do parisiense Centro Beaubourg, dos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, um espaço cultural que o presidente Georges Pompidou encomendou para albergar, próximo a Les Halles, entre outras instituições, o Musée National d'Art Moderne, essas tubagens técnicas que a Arquitetura dos anos 70 assumiu totalmente, utilizando-as com intencionalidades estéticas, estão provisoriamente na clássica fachada do Edifício Via Catarina - um edifício que já foi sede do jornal "O Primeiro de Janeiro" e agora é um centro comercial da portuense Rua de Santa Catarina. Essa tubagem cor-de-rosa faz parte do projecto da "Fábrica de Sonhos", uma "falsa" fachada para o edifício com que o arquiteto Tomé Capa venceu a edição 2017 do concurso Viartes. Os centros comerciais são, em parte, uma espécie de fábricas de sonhos e Tomé Capa soube traduzir este fenómeno.

Os dados foram, finalmente, lançados

Um dado em papel timbrado / JR 2017, trabalho digital.

Alea jacta est - expressão atribuida a Júlio César - continua a traduzir a incerteza que sempre existe quando, numa encruzilhada, optamos por um dos caminhos possíveis sem certeza dos resultados dessa escolha. É uma frase batida que nasceu há mais de 2000 anos, quando o imperador romano Júlio Cesar, comandando as legiões de Roma, decidiu atravessar em atitude beligerante o Rio Rubicão, fronteira a partir da qual, à data, o destino, incerto, poderia ser o de uma glória vitoriosa ou o do esquecimento pela morte. É e foi sempre assim e o pior é a dúvida que sempre nos assistirá sobre o destino que nos seria destinado se tivessemos escolhido outro caminho. Mesmo quando o caminho escolhido aparenta ser um bom caminho. Eis uma definição de inquietude, hoje aqui sublinhada a propósito de um novo lançamento de dados.

Entrevistas forjadas e outras promoções rápidas

Doze pontos de partida e de interrogação (pormenor mostrando apenas cinco) JR / 2017

A tentação da auto-entrevista é mais vulgar do que, numa primeira abordagem, pensamos. Sem revelar nomes, para que ninguém perca a face, lembro-me de ter recebido, enquanto jornalista,  um rascunho, muito completo, de entrevista, ou seja, um rascunho com as perguntas e com as respectivas respostas, elaborado e oferecido por alguém que estava interessado em ser entrevistado e convencido de que eu ficaria muito honrado por poder entrevistá-lo. A pessoa em causa estaria convencida de que iria ser nomeada para um cargo relativamente importante, então de nomeação ministerial, e antecipava tal entrevista garantindo não estar a tentar pressionar quem detinha o poder desta escolha. Não foi fácil fingir que este comportamente seria normal mas, felizmente, o lugar em disputa foi rapidamente provido e não por quem oferecia a entrevista forjada.

O querido mês de Agosto voltou a acabar mais cedo

Último sábado antes da escrita clara (foto JR / do dia)

Espero que a minha escrita venha a ser cada vez mais clara. Uma verdadeira escrita clara. Tudo junto ponto com. Aqui, neste sítio da escrita clara, escrevo-me mais do que escrevo. Nem que sejam cartas em papel timbrado de hoteis antigos, enviadas deste e de outros meses de Agosto, mais verde menos verde compatível, mais sábado menos sábado desgastado. Tentando manter a face, como digo no "face", o que nem sempre é possível, principalmente no tempo que acaba mais cedo. E este ano, repito, o meu querido mês de Agosto voltou a acabar mais cedo.

Quero escrever um livro que voe

Trapologia, trabalho de Tareka (pormenor)

Há dias confessei gostar de barcos que voam, revelando que ainda só vi dois e ambos em representações teatrais. Um em Coimbra, num espectáculo de um grupo italiano que participou numa Semana Internacional de Teatro Universitário (SITU) organizada pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), e outro no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, num espectáculo ali realizado durante a Expo 98. Também gostaria de escrever um livro capaz de fazer voar quem o lesse. Um livro cuja acção poderia desenrolar-se num barco voador. Ou até dentro de um quadro famoso, de um pintor igualmente famoso. Gostaria de escrever um livro assim. Enigmático.