arquivo > janeiro de 2016
Um brinde com vinho de Vale Florido
30.jan.2016, Véspera de uma homenagem, no Porto, a Sampaio Bruno, redactor do Manifesto da Revolta do 31 de Janeiro (1891)
As fotografias, algumas fotografias, ganham importância com o tempo. Esta, onde apareço com o meu filho Tiago num brinde (com vinho de Vale Florido, o lugar do avô materno do Tiago que foi o vitivinicultor desse vinho), tem quase três anos que foi captada estando, desde então, nesse talvez não lugar que é a Internet. Foi colocada numa página do facebook em 2013, mas quando alguém a revê e faz questão de assinalar esse novo olhar, a fotografia volta a tornar-se visível nos círculos de amigos de quem está nela referenciado. É em momentos como este que vemos como as fotografias captam não só o momento em que foram obtidas como uma parte significativa da tábua cronológica entre o instante registado e todos os momentos em que elas voltem a ser olhadas, ganhando a vida própria das fotografias.
Gostava de pintar como Di Cavalcanti
29.jan.2016, Véspera, sem história, de um sábado pouco promissor
Gostava de pintar como Di Cavalcanti. E de frequentar bares como os que ele seguramente frequentou quando criou os fantoches da meia-noite. Eu frequentei bares assim, como a Clepsidra, em Coimbra, mas não pintava e deixei passar esse tempo sem fixar, pelo desenho ou pela pintura, essa memória. São os lugares preferidos pela fauna - a que julgo ainda pertencer - que gosta de começar a noite a conversar, frente a um bom vinho e em boa companhia. Lugares mágicos, onde há sempre um piano que, no mínimo, serve para, de copo na mão, encostarmos o corpo a semicerrar os olhos como quem mede um desejo. Gostava de pintar como Di Cavalcanti e de ser capaz de integrar um colectivo que iniciasse um tempo novo, mais moderno, como ele iniciou há quase um século.
Um marcador de livros que é um livro
21.jan.2016, penúltimo dia da primeira volta das presidenciais 2016
O meu amigo Francisco Mangas gostou - disse-me - da forma como eu escondia e mostrava os haicais. O próprio desenho também está escondido, acrescento eu. Essa "coisa" que, no olhar do Mangas, pode ser um marcador de livros e, ao mesmo tempo, o livro, é, realmente, uma in-co-mu-ni-ca-bi-li-da-de. Um A4 ao abaixo com quatro dobras, mais ou menos a espaços regulares entre si, onde cabem seis haicais - três da guerra e três do amor - e o contorno de um pé. Nove das dez laudas (contando com a frente e o verso) do A4 dobrado levam uma das silabas da palavra incomunicabilidade. A que sobra (des)silabada é a contra capa.
Afinal o Inverno regressa com sonhos maus
20.jan.2016, dia da despedida, mais uma, de um amigo
"Não há assim tanto tempo // que descobrimos a força // da Primavera intocável. // // Não somos deste mundo, // disse-nos o Ruy Cinatti, // mas afinal o Inverno // regressa com sonhos maus". Reencontrei num alfarrabista da Rua da Boavista, que tem nome de praia cubana, o primeiro livro de poemas de Ruy Cinatti na reedição das Edições Ática feira nos anos 60 do século passado. A primeira edição é de 1941, doze anos antes do meu nascimento, e o livro é, nas palavras de Helena Cidade Moura, "um livro de companheiros". Reli-o na despedida de um amigo. Reli-o e ousei escrever uma nota de leitura com a matriz de um poema contrafeito, aquele com que abro esta nota.
Até tu, Brutus de casta baga
19.jan.2016, Dia do vigésimo sexto aniversário da ARDCR
Já uma vez fiz uma asneira assim, por alturas do Natal. Encher, com água do mar, uma garrafa, e deixar-me ir a velejar. Mas desta vez coloquei-me na linha do horizonte para não encalhar no gargalo. A gente aprende com os erros do passado, pelo menos no que diz respeito a castas. Hoje, dia em que faz anos a minha filha, ainda não tenho rótulos de vinhos bebidos com os amigos para colar. Quem pode impedir a Primavera, pergunta, há muitos anos, Ruy Cinatti num verso que é uma das boias de salvação do "Nós Não Somos Deste Mundo". E a resposta surge no final "Quem?... // Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera."
Há malas que vêm por bem
05.jan.2016, um belíssimo dia para começar a voar, a navegar e a viajar, nem que seja só à volta do quarto
Há malas que vêm por bem como, por exemplo, as malas de Louis Vuitton que integram a exposição Volez, Voguez, Voyagez que está patente no Grand Palais de Paris até ao próximo dia 21 de Fevereiro. Com curadoria de Olivier Saillard, esta exposição, de entrada livre, é - adivinho sem ainda lá ter ido - uma memória da arte de bem viajar nos últimos cento e cinquenta anos. As melhores e mais fascinantes viagens, reconheço, são aquelas que fazem com que nos enfrentemos a nós próprios e não dependem da marca das malas que transportamos, o que também não é impeditivo que uma empresa como a Louis Vuitton promova uma exposição, centrada nos seus mais icónicos e caros produtos. De forma inteligente, volto a adivinhar.
Jogos presidenciais e olímpicos
01.jan.2016, primeiro dia de um ano nada comum
Neste ano incomum, estou indisponível para continuar a acumular desistências e para adiar velhos projectos. Neste ano incomum, continuarei a escoar a minha garrafeira bebendo sempre à cabeça os melhores vinhos que nela estejam guardados. Neste ano incomum continuarei, mais do que nunca, a ter tempo para estar com os amigos, poupando-me apenas o suficiente para poder prolongar a vida a fruir os prazeres que a própria vida nos pode oferecer, sem magoar os outros. Neste ano incomum vou tentar pintar e escrever, seja na poesia seja na prosa, sem renunciar às cores e às palavras que possa ter evitado no passado, em nome de uma paleta de cores ou de outros discursos politicamente correctos. Neste ano bissexto.