arquivo > janeiro de 2016

Um brinde com vinho de Vale Florido

Coimbra, 2013

As fotografias, algumas fotografias, ganham importância com o tempo. Esta, onde apareço com o meu filho Tiago num brinde (com vinho de Vale Florido, o lugar do avô materno do Tiago que foi o vitivinicultor desse vinho), tem quase três anos que foi captada estando, desde então, nesse talvez não lugar que é a Internet. Foi colocada numa página do facebook em 2013, mas quando alguém a revê e faz questão de assinalar esse novo olhar, a fotografia volta a tornar-se visível nos círculos de amigos de quem está nela referenciado. É em momentos como este que vemos como as fotografias captam não só o momento em que foram obtidas como uma parte significativa da tábua cronológica entre o instante registado e todos os momentos em que elas voltem a ser olhadas, ganhando a vida própria das fotografias. 

Gostava de pintar como Di Cavalcanti

Paráfrase de um fantoche da meia noite de Di Cavalcanti

Gostava de pintar como Di Cavalcanti. E de frequentar bares como os que ele seguramente frequentou quando criou os fantoches da meia-noite. Eu frequentei bares assim, como a Clepsidra, em Coimbra, mas não pintava e deixei passar esse tempo sem fixar, pelo desenho ou pela pintura, essa memória. São os lugares preferidos pela fauna - a que julgo ainda pertencer - que gosta de começar a noite a conversar, frente a um bom vinho e em boa companhia. Lugares mágicos, onde há sempre um piano que, no mínimo, serve para, de copo na mão, encostarmos o corpo a semicerrar os olhos como quem mede um desejo. Gostava de pintar como Di Cavalcanti e de ser capaz de integrar um colectivo que iniciasse um tempo novo, mais moderno, como ele iniciou há quase um século.

Um marcador de livros que é um livro

meio pé / pormenor / desenho JR 2015

O meu amigo Francisco Mangas gostou - disse-me - da forma como eu escondia e mostrava os haicais. O próprio desenho também está escondido, acrescento eu. Essa "coisa" que, no olhar do Mangas, pode ser um marcador de livros e, ao mesmo tempo, o livro, é, realmente, uma in-co-mu-ni-ca-bi-li-da-de. Um A4 ao abaixo com quatro dobras, mais ou menos a espaços regulares entre si, onde cabem seis haicais - três da guerra e três do amor - e o contorno de um pé. Nove das dez laudas (contando com a frente e o verso) do A4 dobrado levam uma das silabas da palavra incomunicabilidade. A que sobra (des)silabada é a contra capa. 

Afinal o Inverno regressa com sonhos maus

cidade vermelha (pormenor de acrílico sobre tela) / Júlio Roldão

"Não há assim tanto tempo // que descobrimos a força // da Primavera intocável. // // Não somos deste mundo, // disse-nos o Ruy Cinatti, // mas afinal o Inverno // regressa com sonhos maus".  Reencontrei num alfarrabista da Rua da Boavista, que tem nome de praia cubana, o primeiro livro de poemas de Ruy Cinatti na reedição das Edições Ática feira nos anos 60 do século passado. A primeira edição é de 1941, doze anos antes do meu nascimento, e o livro é, nas palavras de Helena Cidade Moura, "um livro de companheiros". Reli-o na despedida de um amigo. Reli-o e ousei escrever uma nota de leitura com a matriz de um poema contrafeito, aquele com que abro esta nota.

Até tu, Brutus de casta baga

É o mar vermelho? Não, é um bruto rosé

Já uma vez fiz uma asneira assim, por alturas do Natal. Encher, com água do mar, uma garrafa, e deixar-me ir a velejar. Mas desta vez coloquei-me na linha do horizonte para não encalhar no gargalo. A gente aprende com os erros do passado, pelo menos no que diz respeito a castas. Hoje, dia em que faz anos a minha filha, ainda não tenho rótulos de vinhos bebidos com os amigos para colar. Quem pode impedir a Primavera, pergunta, há muitos anos, Ruy Cinatti num verso que é uma das boias de salvação do "Nós Não Somos Deste Mundo". E a resposta surge no final "Quem?... // Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera."

Há malas que vêm por bem

Publicidade à exposição Volez Voguez Voyagez (pormenor / New Yor Times)

Há malas que vêm por bem como, por exemplo, as malas de Louis Vuitton que integram a exposição Volez, Voguez, Voyagez que está patente no Grand Palais de Paris até ao próximo dia 21 de Fevereiro. Com curadoria de Olivier Saillard, esta exposição, de entrada livre, é - adivinho sem ainda lá ter ido -  uma memória da arte de bem viajar nos últimos cento e cinquenta anos. As melhores e mais fascinantes viagens, reconheço, são aquelas que fazem com que nos enfrentemos a nós próprios e não dependem da marca das malas que transportamos, o que também não é impeditivo que uma empresa como a Louis Vuitton promova uma exposição, centrada nos seus mais icónicos e caros produtos. De forma inteligente, volto a adivinhar.

Jogos presidenciais e olímpicos

Neste ano incomum

Neste ano incomum, estou indisponível para continuar a acumular desistências e para adiar velhos projectos. Neste ano incomum, continuarei a escoar a minha garrafeira bebendo sempre à cabeça os melhores vinhos que nela estejam guardados. Neste ano incomum continuarei, mais do que nunca, a ter tempo para estar com os amigos, poupando-me apenas o suficiente para poder prolongar a vida a fruir os prazeres que a própria vida nos pode oferecer, sem magoar os outros. Neste ano incomum vou tentar pintar e escrever, seja na poesia seja na prosa, sem renunciar às cores e às palavras que possa ter evitado no passado, em nome de uma paleta de cores ou de outros discursos politicamente correctos. Neste ano bissexto.