arquivo > julho de 2015

Há frases que dão para pensar, lá isso há

manequins vestidos, Foto JR 2015 (pormenor)

Fiquei a pensar numa frase que Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), disse ontem, à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, quando este seu famoso cliente tinha acabado de ser ouvido, como arguido, pelo juiz Carlos Alexandre - "As coisas não são como começam, mas como acabam". Como diz uma magistrada minha amiga, "as coisas no fim são sempre diferentes do seu começo", na vida e em tudo, acrescentando, sabiamente, que "as coisas são como começam e também são como acabam", ou seja, "são as coisas em diferentes momentos". Mas que há frases que dão para pensar, lá isso há.

    Um banjo na parede de pedra

    na caixa que foi e continua a ser a sua morada

    Há dias, como escrevi num postal que enviei ao comandante Adrián de Palme, começou a tocar na minha cabeça uma moda que eu ouvia quando era criança e que o meu pai tocava no seu velho banjo, um instrumento de cordas que herdei e que coloquei numa das paredes da minha casa da Rua do Bonjardim para sentir a presença dele. A cantiga tinha versos quase surreealistas como o que abria a história a referir uma malinha de mão, que não seria nem de quem cantava nem de quem ouvia cantar mas de um tal nosso hidro'vião, feito de madeira fina, que amarou na Nazaré por falta de gasolina. Lembro-me que voava nesse autêntico Clipper dos mares como se estivesse a surfar numa onda gigante da Nazaré, um feito que, à época (nos idos dos anos 60 do século passado), nem sabia que era possível realizar. 

    Uma geração que resiste ao sufoco

    Galo nu, depenado. Foto JR (pormenor de um trabalho da ceramista Zinda)

    Gostaria de dizer, modéstia à parte, que a geração que tinha vinte ou quase vinte ou vinte e poucos anos no 25 de Abril, a que já viu tanta cidade, tanta gente e tanta coisa, uma geração, para pegar em verbos de Rilke, que conhece os animais e sente como os pássaros voam ou sabe os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã, esta geração a que me agarro continua a tentar ser uma das mais fortes entre as que não desistem da difícil tarefa de fazer um Portugal melhor para todos os portugueses. Uma geração que ainda resiste a enredar-se em calculismos, na conveniência do politicamente oportuno, para fugir a esse compromisso abraçado por volta dos vinte anos, há mais de quarenta. Gostaria de dizer, de poder dizer isto. 

    Um poema em galego, de Rosalia de Castro

    bonsai, Porto

    "De la torpe ignorancia que confunde // lo mezquino y lo inmenso; // de la dura injusticia del más alto, // de la saña mortal de los pequeños, // ¡no es posible que huyáis! cuando os conocen // y os buscan, como busca el zorro hambriento // a la indefensa tórtola en los campos; // y al querer esconderos // de sus cobardes iras, ya en el monte, // en la ciudad o en el retiro estrecho, // ¡ahí va!, exclaman, ¡ahí va!, y allí os insultan // y señalan con íntimo contento // cual la mano implacable y vengativa // señala al triste y fugitivo reo".

    Um dos maiores desgastes de "O Século"

    Lanço de escadas do Palácio dos Viscondes de Lançada, Lisboa/ Foto JR

    Para alguns políticos europeus, a recusa dos gregos em aceitar as condições que a Europa quer impor-lhes para garantir a solidariedade que uma união monetária e política supostamente devia oferecer é uma decisão inaceitável, apesar de ter sido referendada democraticamente. Em algumas capitais da Europa - que não em Atenas - a ideia da Democracia está mais desgastada do que os degraus, a passadeira e o resguardo metálico das escadas que davam acesso ao gabinete da Direcção do falecido jornal "O Século", quando este ocupava o Palácio dos Viscondes de Lançada, no Bairro Alto de Lisboa, lanço de escadas que hoje está a servir no Ministério do Ambiente, o novo inquilino do palácio. Este é, de facto, um dos maiores desgastes do século.