No rescaldo da pandemia

A caminho de Lisboa

Esta noite vou ficar a Lisboa. Ficar do Ritz de Lisboa é quase como dormir num museu. Isto pela qualidade das muitas obras de escultura, pintura e tapeçaria que estão espalhadas pelo hotel, quase todas de artistas portugueses consagrados no universo das artes plásticas.

Estão lá alguns dos belíssimos "centauros" de Almada Negreiros e, ainda no que a tapeçarias diz respeito, a "Olisipo" de Lino António, um trabalho que capta a alma mediterrânea mais antiga da cidade de Lisboa como poucos o conseguem fazer.

O aguarelista improvável

Na pandemia da COVID-19

Ponte 2, Júlio Roldão, 2019, técnica mista (25,5X10X2,5 cm)

Carta para o M.A. Pina

Agora nem isso,
meu querido Pina.
Nem as funerárias
conseguem intrometer-se
(Atlética Funerária incluída)
nesse espaço que separa
a vida da morte.
Devias estar por cá
para registar
poeticamente
este outro tempo de chumbo.
Muito mais pesado.

Releio o teu Farewell Happy Fields! (...)
"(Sem ironia, o meu coração teme a ironia
quase tanto quanto a perfeição;

e sem melancolia:
estávamos a precisar de solidão,
de silêncio, de geometria,
e as nossas lágrimas de uma grande razão)."
(...)

Só tenho rascunhos
e alguns discursos
- vendidos ao desbarato -
de muitas encarnações
que jamais vivi.

Mais a leitura poética
de alguns versos escolhidos.
E também esse jornal
com todas as más notícias
(a mostrar o fantasma de Milão
na primeira página
e as cinzas dos mortos)
e outras desesperanças.

Como começar de novo?

Júlio Roldão
06.04.2020

Regresso sempre no Outono

técnica mista sobre papel de jornal

Regresso sempre no Outono, pela Feira do Livro do Porto. É o cenário ideal para uma escrita clara. Eu que já coleccionei catálogos das peças de teatro a que assistia (em regra publicações muito cuidadas que escapavam à censura e publicavam textos intelectualmente sérios e bem elaborados impossíveis de publicar noutros suportes), guardo agora rótulos de garrafas de vinho, desde que o considere bom e o tenha bebido numa roda de amigos. Mas é muito difícil retirar um rótulo de uma garrafa. Quase tanto como da imagem de um activista. O que vale é que não devemos exigir que os rótulos saiam intactos. Quando saem rasgados são mais autênticos.

Sem carta de chamada

A senhora minha mãe, que este ano completaria cem anos se não tivesse partido no ano passado, sonhou a vida toda com o Brasil, país para onde quis emigrar mas que nunca chegou sequer a visitar. Enquanto solteira e antes de ir trabalhar, queria partir para o Brasil, mais precisamente para São Paulo, onde viviam uns tios que aí fizeram fortuna. Mas os tios ricos da América (América do Sul, entenda-se) nunca lhe enviaram a “carta de chamada”, o documento indispensável para poder fugir dos “horizontes pequenos” que durante tantos anos amarraram Portugal, e ela morreu com saudades de uma cidade que nunca visitou.

No mar da minha inexistência

Jardins do Palácio / JR

Nem quero pensar // que estou a chegar a velho. // Não vou lá chegar. // // Hoje, perco tudo // - a chave da minha casa // e todas as âncoras. // // Sem ter rendimentos, // no mar da inexistência // escolho à deriva.

Júlio Roldão

02.Outubro.2018

Meu Querido Mês de Agosto

Paleta de cores quentes e primárias / JR 2018

E eu, vaidoso indisfarçável, a ver-me representado numa Exposição Internacional de Livros de Artista patente desde hoje e até 15 de Setembro no Auditório Municipal de Gondomar. Denominada "Pensamento e Risco", esta exposição reúne mais de 200 livros de artista de 124 autores, numa "biblioteca" que expõe consagrados e iniciados, como eu, nesta arte dos livros de artista, patamar superior dos cadernos, ou canhenhos, de viagem e até dos cadernos de apontamentos dos jornalistas. Todos eles, seguramente, livros únicos com o peso que as peças únicas possuem.