arquivo > março de 2016

Malmequeres e bem-me-queres em papel

bem-me-quer com a ajuda desinteressada do Photoshop / JR 2016

Dizem que, nesta noite, os Rollings Stones não arrocalharam Carlos Puebla com um "Aquí se queda la clara, // La entrañable transparencia, // De tu querida presencia // Comandante Barak Obama", perdão "Comandante Che Guevara".  Tampouco Che teria perdido o concerto histórico dos Stones em Havana se ainda estivesse, fisicamente, entre nós. E se fosse esse o caso ditoso, Che, com os seus 87 anos, teria gostado de ouvir os Stones mas tambén aquela canção de despedida de Puebla, escrita em 1965, quando o comandante saiu de Cuba - "Aprendimos a quererte // desde la histórica altura // donde el sol de tu bravura // le puso un cerco a la muerte". Dois anos antes da última viagem.

Acendes-me um desejo adormecido

verso de JR gravado numa página de barro (pormenor) JR / 2016

Neste dia tão triste, por ser um dia que não amanheceu e que teima em continuar noite, em todas as cidades que não ignoram o que acontece em cada cidade, que desejos adormecidos se reacendem? A que sentimentos vamos recuperar os fragmentos da nossa memória que queremos despertar? Duvidaremos ainda que estamos em guerra e situados na frente? 

Nocturno com curvas de Óscar Niemeyer

B de Brasília (pormenor) da série de aguarelas nocturnas / JR

Não tenho condições para iniciar, seja lá onde for, uma série de crónicas sobre a História mais recente do Brasil que nós, em Portugal, tanto desconhecemos. Tive esta ideia quando era o editor do "Mundo" (como a secção do Internacional do Jornal de Notícias então era chamada) e ouvi, emocionado, o discurso da primeira tomada de posse de Lula da Silva como Presidente do Brasil. Dei conta desta intenção ao meu amigo Argemiro Ferreira, um jornalista brasileiro que nesse tempo era correspondente do JN em Nova Iorque, mas esse projecto nunca chegou a ter condições para avançar. Agora é tarde: eu já não sou jornalista, Lula já não é Presidente nem se sabe se assumirá o lugar de ministro e a própria presidente Dilma pode não concluir o mandato. Fica a aguarela com memórias de Óscar Niemeyer.

A boca da verdade de Lucas Cranach, o velho

A boca da verdade de Lucas Cranach, o velho (pormenor)

Na semana de arte de Londres do ano passado, deixei escapar The Bocca Della Verita, um óleo, que me fascina, de Lucas Cranach, o velho. Tampouco consegui arrematar a Petite Danseuse de Quatorze Ans, de Degas, uma escultura que há muito gostaria de ter em casa. Estas duas obras estavam expostas muito próximas uma da outra e num espaço muito bem iluminado. A sombra da bailarina projectava-se na parede onde estava o quadro de Cranach, de tal forma que parecia que a própria sombra estava a olhar para o quadro. Esta ideia de colocar obras primas de grandes artistas em diálogo inesperado é genial. 

Uma janela sobre espionagens antigas

Icon grego (pormenor) / 1988 Rhodes

O jornalista Fernando Lima - admite o jornal Expresso citando revelações de terceiros - terá estado ligado ao KGB sob o nome de código "Taor". KGB? Esse reputado serviço de espionagem da antiga União Soviética? Conheço o Fernando Lima, por quem tenho estima, desde o tempo em que ele foi chefe da delegação de Lisboa do Jornal de Notícias e sempre o coloquei na área política do centro direita. O Lima que foi director do Diário de Notícias, que foi assessor de Cavaco Silva (o assessor  que teria revelado as suspeitas, até hoje por confirmar, de que as comunicações da Presidência e do Presidente Cavaco estariam sob vigilância electrónica do Governo de José Sócrates), o Lima do KGB?  Até parece um desses factos políticos que, dizem, o actual presidente Marcelo criava, in illo tempero, quando também era jornalista.

Pássaros verdadeiros na linha da nota Si

Três pássaros verdadeiros caíram em SI / JR, Vale Florido

Manipulo os cinco fios de electricidade que passam à frente dos meus olhos em formação própria dos papéis de música e pranto-lhe uma clave de Sol para que os três pássaros verdadeiros possam cair em si, ou seja, na linha da nota Si. É uma pequena e média manipulação, sem sustenidos nem bemóis, bem menor do que aquela, em letra de forma e papel de imprensa, que fala numa determinada construtora de São Paulo, supostamente responsável por melhoramentos num apartamento triplex que o Ministério Público do Brasil julga ser propriedade não declarada do ex-presidente Lula da Silva. Móveis de cozinha e "um elevador privado entre o primeiro e o terceiro pisos" para fazer disparar os nossos alarmes, como se não soubessemos que as soluções de mobilidade adequadas a triplex ou a outras habitações em altura podem ser mais baratas que alguns televisores plasma de ter na sala.

O caminho faz-se caminhando

Luanda 2010 / foto JR

Agora também já dizem que estamos todos convocados para encontrar soluções de governação e que "já ninguém está unicamente remetido ao papel do protesto". Se me permitem gostaria de protestar contra esta fatalidade.  Mesmo acreditando nos pequenos gestos que aproximam e desacreditando nas grandes proclamações que afastam. Então que sentidp tem citar Torga  quando o escritor diz  que uma criatura só não presta quando deixou de ser inquieta? .Será que todos querem cicatrizar feridas, recriando convergências e até fazendo ou refazendo entendimentos? 

Diários de bordo de pequenas e médias viagens

Manaus para Escrita Clara (pormenor de uma folha de moleskine) JR

Já somam centenas os cadernos e caderninhos que acumulei com desenhos aguarelados ou não, colagens de recortes de jornais e de outras coisas mais, rótulos de garrafas de vinho bebido com os amigos, apontamentos escritos e até poemas mesmo contrafeitos, cada um exemplar único do diário de bordo da pequena ou média viagem a que corresponde. Alguns registam íntimas viagens à roda do meu quarto, como a que inspirou Xavier de Maistre, mas o denominador comum é o de cantarem, mesmo que desafinadamente, viagens inacabadas como reflectem estes livros únicos, quase todos ainda com folhas virgens à espera de um qualquer final feliz. Tesouros pessoais que me ajudam a a tentar não perder esta caligrafia para escrever legendas.

Ter ou não ter continuados

"Infinidade de máquinas de escrever + ... (pormenor de instalação) ARMAN

Quando comecei a trabalhar nos jornais, havia continuados, isto é, uma notícia iniciada numa determinada página podia continuar noutra, com separação assinalada, primeiro um "continua na página y" e depois, na própria página y,  um "continuação da página x". Isto obrigava a cuidados difíceis se alguém, como eu, gostasse de mandar uma mensagens oculta com as primeiras letras dos parágrafos da notícia. Era preciso assegurar, para garantir o efeito, que a notícia não iria ser descontinuada. Quando, tempos depois, os continuados deixaram de ser utilizados, eu já me deixara dessas ocultas canções de bandido em corpo oito. Agora, que recebo o Internacional New York Times em papel, confirmo que este título mantém os continuados -  REPUBLICANS, PAGE 4, REPUBLICANS, FROM PAGE 1 -, o que dificulta o papel aos jornalistas que ainda gostem de mandar mensagens ocultas.

No lado certo da noite, a rir

Jorge Palma, Sérgio Godinho e músicos no Coliseu do Porto, 3 de Março de 2016 / foto JR

A gente sabe que cada dia que passa é o primeiro do resto das nossas vidas mas nem todos sabem que o que faz a diferença de muitos desses dias é a noite, quando a noite está acordada e virada para o lado certo. A gente aprende isto nas canções, nas canções de grandes artistas como o Jorge Palma e o Sérgio Godinho, que estão de novo na estrada em digressão, acompanhados por uma banda de seis também excelentes músicos. Ontem e hoje no Coliseu do Porto. Para que os amigos se encontrem. Todos os amigos, embora os que mais aparecem são aqueles que tinham mais ou menos vinte anos no 25 de Abril, ou seja, os grandes amigos do Jorge e do Sérgio. You Know.