arquivo > dezembro de 2012

Quando chega um novo ano

Natureza morta 2012 / Foto JR

Seja Sábado ou Domingo, ou outro dia da semana, quando chega um novo ano, as intenções da maioria (da maioria de nós, não da maioria política, entenda-se)  são sempre as mais bem intencionadas de sempre. Este ano vamos ter, finalmente, mais cuidado com a saúde (os cortes que o Estado está a fazer neste sector a isso obriga), vamos comprar muito menos livros, raramente iremos ao cinema, muito menos a outros espectáculos e viajar nem cá dentro. Só se for para emigrar ou à volta do espaço onde conseguimos dormir.

Quando chega Domingo, faço tenção

Mapa dos quatro caminhos / Foto JR

Um dos poemas em língua portuguesa que escolho para figurar entre os meus preferidos - "Domingo" de Manuel da Fonseca - começa com uma inesperada declaração de intençōes. " Quando chega domingo, // faço tenção de todas as coisas mais belas // que um homem pode fazer na vida." Depois regista acontecimentos que se desenrolaram ou desenrolam a um domingo, entre outras razōes por ser o dia em que as casas de penhores estão fechadas, condicionalismo hoje ultrapassado pelas lojas dos centros comerciais que compram ouro.

Hoje é sábado, um dia aliviado

Correio antigo / Foto JR

Agora, pela correspondência postal, só chegam contas para pagar, extractos bancários de baixo valor ou multas de trânsito e outras coimas. Houve um ano, uma vez, que o IRS ainda trouxe uma pequena  lembrança, mas o IMI encarregou-se de a anular com juros. Agora, o IRS deixou-se de devoluções e também cobra por esta via , enquanto o IMI não para de crescer.  Hoje, felizmente, é sábado - não  há correio deste tipo, só há publicidade que ainda nos trata como ricos.

Satélite com 30 anos é muito velho

Nos céus de Gondomar 2012 / Foto JR

Satélite com 30 anos de idade é velho, é muito velho. É o que depreendo quando leio que o Landsat 5, um satélite da NASA lançado a 1 de Março de 1984, vai ser desactivado, após 30 anos de bons serviços, ou seja dez vezes mais do que o tempo de vida útil inicialmente admitido como possível. O velhinho anda em órbita a 75 quilómetros de altitude, continuamente à volta da Terra, em missões de vigilância ambiental, dizem. Esperamos que a sua queda possa ser tão controlada quanto a do velho Skylab, que assustou o Mundo inteiro antes de se despenhar no Índico e na Austrália no Verão de 1979, ainda quente em Portugal.

Black friday em quinta-feira

Praia dos Beijinhos, Atlântico Norte

Foi uma quinta feira de novo travestida de black friday. Na corrida à compra da ANA venceu a Vinci, um grupo francês que ofereceu 3080 milhões de euros e apresentava uma proposta considerada "interessante" do ponto de vista estratégico, na apreciação do Governo de Portugal. Os vencedores, que detém 37% do capital da Lusoponte (a holding que gere as pontes Vasco da Gama e 25 de Abril),  reconhecem  que o hub de Lisboa é fundamental para destinos emergentes, como o Brasil e a África, e o Porto uma plataforma de potencial expansão para todo o Norte Atlântico.

Em algodão em rama

Nevoeiro no Porto / Foto JR

Gostava de ter direito a uma dose de algodão em rama para, como se diz em teatro, poder sair de cena, sem grandes ondas, pela esquerda baixa e sempre que me apetecesse. Sem discussões teóricas, na sequência dessa espécie de lassidão progressiva que Júlio Pomar referiu quando confidenciou a Mário Dionísio o percurso de algumas dúvidas instaladas.   O texto - "O último baluarte" - é um notável e incómodo testemunho que abre um álbum sobre Pomar que as Publicações Europa-América editaram em 1990. Pomar - revela Mário Dionísio - confessou-se na época a viver mal, de tarefas mercenárias, difíceis de encontrar, e a não querer desperdiçar o pouco tempo que lhe sobrava em discussões intermináveis à volta de uma mesa. 

Cordialmente, até nunca mais

Na rota da seda / Fotolia

Nos últimos dois dias, estas notas pessoais foram marcadas por uma desagradável descoberta - a de confirmar, mais uma vez e sempre com mágoa, que somos todos tão descartáveis como as rugas de uma estrela de cinema a envelhecer às mãos hábeis de um artefinalista que domine um bom programa de tratamento de imagem digital. A prática de reescrever passados, como aqueles que Félix Ventura (personagem criada pelo escritor José Eduardo Agualusa) vende, é tão comum quanto a prática de apagar passados ou de eliminar pessoas indesejáveis dos cenários a reescrever. A grande diferença e surpresa ocorre quando tal prática é assumida por gente que pensavamos incapazes de tal e num contexto onde jamais imaginaríamos que essa indignidade acontecesse. Nestes casos, a única saída é enviar uma saudação com um "cordialmente, até nunca mais".

Não acredito no Pai Natal

Natal comercial / Foto JR

Já não acredito no Pai Natal nem em quem viaja de trenó a renas. Acredito ainda menos nos burocratas que ocupam cargos administrativos, por exemplo, em organismos de tutela de profissões, ou naqueles que assumem, como ocupação secundária, profissões (como a de jornalista) que parecem estar, supostamente com vantagens, ao alcance de todos os demais profissionais. Com a excepção do Pai Natal, muitos deles julgam-se acima de quaisquer códigos de ética, outros reescrevem-nos e impõem-nos e os últimos sentem que estão a emprestar prestígio às profissões menores que eles com tanta facilidade exercem no intervalo das suas próprias profissões. O Pai Natal, afinal, pode bem ser o menos mau de todos.

Nos 20 anos de "a Página"

Zincogravura sobre papel / Foto JR

Confirmei ontem, folheando o número 199 de "a Página", edição correspondente ao Inverno de 2012 , que o meu nome ainda figura no rol de colaboradores desta agora revista trimestral. O João Rita, pseudónimo (tornado público na própria revista) com que durante dezassete anos colaborei nessa publicação, já desapareceu definitivamente. A Página, que este ano completou 20 anos de existência com toda a praxe "aniversitária", nas palavras do actual editor, incluindo "um jantar-convívio com bolo, velas e parabéns", sobrevive perfeitamente, como é saudável e natural, sem o Júlio Roldão e sem o João Rita, embora tivesse sido simpático convidá-los para o tal jantar-convívio, mesmo na condição de que eles pagassem o jantar. Eu assumo a minha mágoa.

Um milésimo de segundo de nada

Uma caixa velha / Foto JR

Uma vez fiquei preso numa terra de ninguém, entre canais de televisão, quando, por um milésimo de segundo que me pareceu a eternidade, o tempo parou no preciso instante em que mudava de canal com auxílio de um telecomando avariado. Se ao menos tivesse apanhado aquela chuva característica da ausência de emissão televisiva, mas nada, nem isso. Apanhei precisamente o nada, sem sinal de não emissão, o que constitui uma profunda incomodidade, quase uma angústia. Parar num milésimo de segundo de nada é muito tempo para uma oportunidade tão rara.

Vinte e um do doze de vinte doze

Um Porto de Honra pelo fim do Mundo / foto JR

Alguns acreditam que hoje vai acabar o Mundo. E têm razão. Acabará, pelo menos este Mundo, para aqueles que morrerem hoje. Quem sobreviver pode dedicar-se a explicar, profissionalmente, as razões do fracasso do Fim-do-Mundo anunciado, o que em tempos de elevadíssimo desemprego, principalmente entre jovens, é de aproveitar. Esta ideia de marcar o Fim-do-Mundo para um dia certo, o 21 de Dezembro de 2012 nas previsões do Calendário Maia, é um horror para quem, como eu, ainda tem vícios de um jornalista que trabalhou 28 anos num jornal diário - devo esperar até à meia noite para não perder a notícia ou, pelo sim pelo não, o melhor é dizer já qualquer coisa antes que chegue o fim?

Uma colheita muito especial

A garrafa nas palhinhas / Foto JR

É no Evangelho de João que o primo de Jesus conta o episódio das Bodas de Caná, quando num casamento onde Jesus estava como convidado faltou o vinho e Jesus, a pedido da Mãe, transformou água em vinho, naquele que terá sido o Seu primeiro milagre. No melhor vinho da boda, na opinião dos escanções presentes, contrariando a boa prática de servir e beber à cabeça o melhor vinho. Um bom vinho deve beber-se em boa companhia, na melhor companhia possível, de preferência com  amigos. Assim guardamos melhor os amigos, nunca os vinhos, pelo menos os bons, os de colheitas especiais.

"Amor de uma viagem nocturna"

Alma mediterrânea / Foto JR

"(...) amor de uma viagem nocturna  (...)". O verso é de Eugénio de Andrade e foi publicado, pela primeira vez, em 1951, no livro "As palavras interditas". Anos mais tarde, mais precisamente em 1969, aparece em Luanda, numa instalação de José Guimarâes, com uma ligeira nuance - Guimarães escreve duma e não de uma. "Amor duma viagem nocturna". Como diz Nuno Judice num prefácio à reedição conjunta de "As palavras interditas" e de "Até amanhã", estes são livros em que se encontra "aquilo que fez, e faz, de Eugénio de Andrade, o mais luminoso e claro dos nossos poetas do século XX". As palavras também emprestam luz às cores e fazem pontes entre sensibilidades várias, como descobriu, recentemente, a minha filha, que apenas tem 22 anos e está a iniciar um mestrado em ilustração.

Antevésperas de Natal em Dezembro

A Árvore Vermelha do Natal / Foto JR

Para a minha mãe que tem 93 anos e um único filho, hoje é a antevéspera de Natal - é que  eu faço anos depois de amanhã e como cantava Ary dos Santos "Natal é em Dezembro // Mas em Maio pode ser // Natal é em Setembro // É quando um homem quiser // Natal é quando nasce uma vida a amanhecer // Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher". Hoje lembrei-me desse fantástico LP com canções de Natal politicamente (in)correctas que recuperou a quadra para o chamado PREC de meados dos anos 70. Um trabalho que glorificava o trabalho e os amigos e que dizia, por exemplo, que estes são o nosso bolo de Natal e que "cada amigo nosso vale mais que o Pai Natal".

Nesta Europa, lugar de exílio

Casa de Ferro, Maputo, Foto de Ilan Molcho (pormenor)

Se eu pudesse, só lia poesia e aguarelava riscos de esferográfica em papel de 300 gramas, sem ácidos. O Sol de Novembro deixaria de ser o único a brincar de artista nas acácias floridas. Nem Viriato da Cruz, que um dia denunciou a que também brincava assim, dizendo que ela espalhava diamantes na fímbria do mar, e tinha uma pele macia, e seios laranja e cheirava a rosas, nem esse poeta, que bem tentou o feitiço de uma quimbanda de fama, e viu que o feitiço, como muitos outros feitiços,  falhou , nem ele, alguma vez sentiu-se mais africano e com mais saudades de Àfrica do que eu, neste momento em que a Europa é um imenso lugar de exílio, mais do que uma Pátria, para os europeus. Lembrando Daniel Filipe, outro poeta africano.

Num verde meia noite Americana

Golfinho do Natal, 2012 / JR técnica mista

A minha árvore de Natal está a ficar careca. Deixa cair agulhas, mas é tão bonita que até parece de plástico, como diz o meu amigo Zeferino Oliveira que sabe muito bem que esta minha árvore é artificial, ou seja, politicamente (in)correcta como o Natal, quero dizer, como a quadra, para não repetir a palavra Natal.  Este ano também fiz um presépio - em tela cartonada e no fundo verde meia noite dos acrílicos artísticos da marca Americana que é a minha marca e cor favorita, depois de alguns verdes garrafas de colheitas escolhidas. Nem todas podem ser as escolhidas.

Aguarelando cidadanias

Amores do Porto no Projecto Casa 2012 (EXPONOR)

Julgo-me muito mais das cidades do que dos campos, onde nunca vivi e onde só permaneci em períodos de poucos dias. Talvez isto justifique um certo deslumbramento pela Natureza. Só este ano, no ano em que completo 59, olhei, com olhos de ver, para um diospireiro. A mim bastam-me  o londrino Hyde Park, o parisiense Jardin des Tuileries, o novaiorquino  Central Park, o portuense Parque de Serralves e, quase de certeza, também o Corredor Verde de Lisboa,  ontem inaugurado na presença do arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, que o idealizou há mais de 30 anos. Espaços de eleição para aguarelar cidadanias.

Um café mexicano em Santo Isidro

Máscara, técnica mista 2012 / Júlio Roldão

Bebi ontem, no Porto, num café - o Armazém do Café - que fica quase em frente à velha Brasileira, que já não é o café que era e muito menos espaço de tertúlia político literária da cidade, um dos melhores cafés que tenho memória. Só recordo um outro café, este claramente de saco, que bebi num restaurante em Santo Isidro (perto da cidade de San Diego), na fronteira dos EUA com o México. Ambos cafés mexicanos. O de Santo Isidro proveniente na zona de Santa Cruz.

Arrestados em portos europeus

Aguarela, Veneza / Julio Roldão

Alguns navios portugueses  estão arrestados em portos europeus por dívidas. Um deles, que navega com o nome de uma das nossas cidades históricas,  está no Porto de Bayonne, em França, há quase meio ano, com alguns tripulantes a bordo a reclamar salários em atraso, a sobreviver no barco com muitas dificuldades e a garantir que o cargueiro não possa ser considerado abandonado, o que, neste contexto, pode ser muito importante para a empresa proprietária do navio. A história foi divulgada hoje pela Agência Lusa e será outro sinal da crise. Arrestados na Europa é uma expressão que tem alguma ironia.

Quando as cidades caem

Lisboa, 1 de Novembro de 1755 / gravura

O terramoto de 1 de Novembro de 1755, seguido de maremoto (a palavra portuguesa para tsunami) destruiu violentamente a baixa de Lisboa. Foi uma catástrofe que fez emergir a figura de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, como o rosto da reabilitação e da regeneração do centro da cidade destruída, hoje conhecido como baixa pombalina. Lisboa e o país recorda-o ainda hoje, apesar dos inequívocos abusos de poder que lhe são, muito provavel e justamente, atribuídos, pelo facto de ter sabido erguer uma cidade melhor do que aquela que a Natureza destruira. Infelizmente essa capacidade de fazer melhor não está ao alcance de todos, como todos reconhecem.

Uma lição no monte, ao jantar

Ouvindo "Nas minhas tamanquinhas" de José Afonso / Foto JR 2012

Certa noite, num monte alentejano, no tempo das cooperativas de produção, integrado num grupo de teatro universitário em digressão pelo Alentejo, recebi, num jantar que os trabalhadores rurais ofereceram aos estudantes, uma lição inesquecível. Face ao exagero da refeição na quantidade de carne servida -  pelo menos três pratos, entre os quais o ensopado de borrego - um dos responsáveis pela Cooperativa, na hora dos discursos, mostrou-se consciente do exagero, mas evocou os anos de fome que a generalidade dos trabalhadores alentejanos tinham sofrido como atenuante do banquete. Durante anos e anos, o sonho da festa fora o de uma dieta que incluísse um naquinho de carne. Esperemos que não voltem esses tempos.

Poupar humilhação aos outros

penumbra / Foto JR

Num poema escrito em alemão por um poeta que não identifico por não estar seguro que o autor desses versos seja quem eu julgo que é, lê-se, na versão portuguesa (cuja autoria também desconheço), "que a maior dignidade humana é poupar humilhação aos outros". Ouvi citar estes versos, pela primeira vez, ao Dr. Orlando de Carvalho, que se notabilizou como professor de Direito na Universidade de Coimbra, mas também como poeta e como tradutor de poetas, tarefa esta que, na verdade, só devia ser exercida por outros poetas. Guardei esses versos como um dos lemas de vida que ainda hoje tento viver.

Um certo vermelho púrpura

Fruto da videira e do trabalho do homem / Foto JR

Gianluigi Nuzzi, assumidamente cristão e batizado, autor dos livros "Vaticano S.A." e "Sua Santidade", também conhecido por ser o jornalista que divulgou num programa de televisão, da sua própria responsabilidade, cartas dirigidas ao Papa Bento XVI a denunciar abusos inqualificáveis, de natureza vária, em que estão implicados membros da Curia Romana, interroga-se, recentemente, sobre a bondade e a justeza de um Estado que mantém na prisão a assumida fonte de informação do jornalista, mas nada faz contra aqueles que são indiciados de crimes imensamente mais graves do que o de fotocopiar e facultar informação que aponta para a existência desses mesmos crimes. Uma pergunta oportuna, mesmo que haja quem a considere impertinente.

Declaração para memória futura

Estação Central de Maputo, 2012 / Foto JR

Hoje fui à procura de um dos meus primeiros brinquedos (uma locomotiva em madeira), uma peça quase artesanal que tinha trazido de casa dos meus pais para a reaproveitar numa "assemblage" qualquer. Gostava tanto dessa máquina de comboios de brincar que queria dar-lhe uma nova vida e proporcionar-lhe a possibilidade de me transportar à infância sempre que olhasse para ela. Infelizmente desapareceu. Resta-me declarar para memória futura que quando e se algum dia vier a sofrer de uma qualquer doença demencial será oportuno lembrar que já em Dezembro de 2012 não sabia bem que rumo tinha sido dado a uma velha locomotiva de madeira.

A arte de ser feliz

Uma pedra no sapato, 2012 / Foto JR

Um dia, confessei um pecado antigo - fraqueza, chamei-lhe - que se materializou numa mentira desnecessária, fazer-me  passar por pianista. Foi em Paris, já lá vão muitos anos, perto de La Madeleine, numa casa de música. Um jornalista, que trabalhava comigo no JN e que também tocava piano para compor o orçamento, pedira-me para lhe trazer, de França, a partitura para piano de “La Mer”, de Charles Trenet. E eu lá fui à Rua de Saint-Honoré aviar a partitura como se fosse para mim. Talvez tenha sido uma manifestação, inconsciente, de uma espécie de arte de ser feliz. No próximo dia 17 vai estar no Porto (Universidade Popular do Porto, 21,30 horas) o professor francês Jean Salem para falar sobre a felicidade ou a arte de ser feliz quando os tempos vão maus. Uma conferência oportuna.

Um tesouro num vaso de barro

um fruto dos deuses / Foto JR

A vida, diz um dos versos dos muitos poemas que integram a Biblia, é um tesouso que se transporta num vaso de barro. O arquiteto Oscar Niemeyer, um dos arquitetos do nosso tempo, transportou-o até ontem, durante quase 105 anos que celebraria no próximo dia 15. Dele disse Dilma Rousseff, presidente do Brasil, que  "poucos sonharam tão intensamente e fizeram tantas coisas acontecer como ele"

  

A doce nudez do diospireiro

Sol e nevoeiro na Torre das Antas, 2012 / Foto JR

Quando está carregado de frutos, o diospireiro é uma árvore nua, sem folhas, salpicada de dióspiros avermelhados e doces. Um dióspiro é um fruto que precisa de ser manuseado com delicadeza e possui uma textura e um sabor únicos. É tido como um dos alimentos dos deuses e considerado afrodisíaco. Um diospireiro carregado é a fertilidade em estado puro, uma natureza nua que apetece captar desde o primeiro instante em que a vemos assim. Quando conseguimos olhar, com olhos de ver, para estas naturezas tão perto de nós e tantas vezes tão discretas.

A morte é sempre prematura

Brasília, 50º aniversário / Foto JR

Há um luto generalizado quando morre um jovem. Quem tem filhos e vai enterrar o filho de um amigo sente uma angústia que ultrapassa a normal partilha social da dor quando morre alguém chegado a alguém que nos é chegado. Nos casos em que a morte inesperada é demasiado prematura o vazio é maior e nem nos consola, minimamente, a ideia de que fica sempre jovem, na nossa memória, quem morre jovem. Ficará, mas isso não compensa o elevado preço que todos aqueles que ainda ficam por cá pagam. 

Reencontro numa sala de teatro

Mural no Círculo de Arte e Recreio, Guimarães / Foto JR

Ontem fui a Guimarães e entrei, por casualidade e pela primeira vez, no Círculo de Arte e Recreio, uma associação cultural de referência da cidade. Deambulando pelas instalações, abertas, quase sem restrições, ao público, como devem ser as casas de cultura, deparei com uma sala de teatro que tem o nome de Santos Simões. Trata-se de uma justíssima homenagem ao Dr Joaquim Santos Simões, um intelectual que marcou Guimarães mas também Coimbra, nomeadamente o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), onde aliás o conheci quando, numa festa de várias gerações teuquianas, eu, então da geração em actividade no TEUC, fui incumbido de o receber e acompanhar com a missão diplomática de evitar que ele pudesse cruzar-se com outros antigos elementos do TEUC cujo percurso político poderia colidir com o do Dr Santos Simões que se manteve sempre fiel aos ideais que abraçou na Juventude. 

Não lugares e outras angústias

Do alto da Via Catarina, no Porto / Foto JR

A primeira angústia que recordo, remete-me para a infância e para uma interrogação que frequentemente colocava - e se não houvesse nada? Anos mais tarde, como se não tivesse sido menino, viria a surpreender-me ao aceitar a existência de não lugares, perfeitamente localizáveis, mas autenticamente inexistentes - um aeroporto, o lugar por onde passa um comboio... Da primeira vez que estive no Rio de Janeiro não estive realmente lá, estive num não lugar, sem autorização para sair dentro de um avião que aterrou no Aeroporto do Galeão apenas para abastecer e em escala forçada para o Aeroporto de Guarulhos, em S. Paulo,  onde as aterragens estavam a ser retardadas face a chuvas intensas na região.

Nota de leitura sobre uma livraria

Autorretrato com a camisola preferida / Júlio Roldão

Ontem, no mais conhecido supermercado do centro de Rio Tinto, onde fui cliente durante muito tempo mas que deixei de frequentar também há alguns anos, descobri, num espaço outrora só dedicado a electrodomésticos e a equipamentos de electrónica, uma livraria que pela selecção de livros e pela diversidade das secções nada fica a dever a muitas livrarias congéneres de maior renome e reconhecimento.  Os critérios da selecção da oferta disponível contemplam muita poesia e uma grande atenção à criação literária lusófona, dois traços que fazem a diferença pela positiva e justificam esta nota de leitura.